É com extremo prazer que inauguro este espaço dedicado ao estudo da cultura grega antiga, em especial a uma de suas vertentes mais fascinantes: a poesia.
Para começar, nada mais justo que uma breve explicação do que venha a ser "aedos e rapsodos", expressão que intitula o blog.
É importante compreender, logo de início, que a poesia para o grego antigo significava um dom concedido pelas Musas; uma graça dos deuses. Sendo fruto de inspiração divina, a poesia, portanto, era exterior ao poeta, visão bastante diferenciada da que temos hoje, cuja célula propulsora da criação seria o jorrar da subjetividade do próprio artista. Segundo Cícero, ninguém saberia ser poeta se não fosse inflamado pelos espíritos e se não houvesse um sopro inspirado comparável ao delírio.
Dessa forma, conceituava-se também o poeta como um mestre da verdade. Isto porque as Musas, que soprariam as palavras de sabedoria, seriam filhas da Memória, potência religiosa ligada à Verdade.
Verdade para os gregos não significava o contrário de mentira, como é em nossa sociedade. Verdade (Alétheia) era o oposto do Esquecimento(Léthe). Alétheia dá brilho e esplendor. Léthe faz silêncio e obscuridade. A alta honra na sociedade arcaica era ser imortalizado pelas palavras do poeta. Seriam palavras incontestáveis, portanto, verdadeiras.
A “palavra cantada” tem o poder de engendra-se na memória coletiva do povo, sendo transmitida pelas gerações como uma fonte real e profunda de conhecimento do que foi, é e será.
O aedo seria aquele que antes de "cantar a verdade" clamaria pela presença das Musas, e uma vez entusiasmado (theos = deus, entusiasmo=com deus dentro), ele começaria a transmitir as mensagens divinas.
Era uma espécie de possessão; uma espécie de revelação. Era o próprio deus que falava através do poeta.
Neste momento, segundo Platão, o poeta era privado de todos os seus sentimentos, e a razão suprimida em absoluto. O ensinamento transferido criava um arcabouço riquíssimo de conhecimento durável, cujos assuntos variavam desde os feitos humanos até a origem do mundo e dos deuses (ver Teogonia, de Hesíodo).
Dentro dessa questão, pode-se dizer que o aedo, ao lado do arauto e do adivinho, foi um dos responsáveis pela transmissão da tradição, dos costumes e, em última análise, da formação social da Grécia Arcaica.
O rapsodo, por sua vez, seria quem interpretava o poeta. O rapsodo era o terceiro da cadeia por onde a Verdade seguia sendo transmitida. Imagine o seguinte esquema: A musa passa a mensagem para o aedo, que posteriormente é transmitida pelo rapsodo e, seguidamente, transmitida para os ouvintes e entre eles. De acordo com Platão, nessa cadeia, chamada de magnética, um elemento se ligaria e se encadearia ao outro pelo entusiasmo, e pelo mesmo entusiasmo o conhecimento tornava-se sabido e sedimentado.
Para fechar, uma citação do diálogo Íon, de Platão, que resume bem toda a idéia acima exposta.
" Con esto, me parece a mí que la divindad nos muestra claramente,para que no vacilemos más, que todos estos hermosos poemas no son defactura humana ni hechos por los hombres, sino divinos y creados porlos dioses, y que los poetas no son otra cosa que intérpretes de losdioses, poseídos cada uno por aquel que los domine".
Um grande abraço,
e até a próxima!
terça-feira, 7 de agosto de 2007
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4 comentários:
Oi, Mariana, tudo bem?
Parabéns pelo blog, é muito interessante essa discussão.
Sobre a visão da poesia como dom concedido por inspiração divina, lembro de uma música chamada "O poder da criação", de João Nogueira e Paulo César Pinheiro. Embora, como você bem lembra, não seja este o ponto de vista predominate hoje, ele não está de todo esquecido pelos nossos poetas.
Vou aguardar novas postagens.
Beijos,
Thiago
Ehhh blog novo hehehe
Adorei... acho o maximo estudar sobre isso e agora vou poder lendo o q vc escreve hihih
Bjus
A idéia inicial é postar um artigo por semana. Acho que é uma boa média.
Sobre a questão da poesia, musas e blau, pretendo ainda retornar ao assunto, com mais fontes a serem pesquisadas pelos leitores.
Enquanto isso, que as discussões comecem!
um beijo
Grande Mariana!
Não sabia que você também gostava da cultura grega. Eu adoro, mesmo sabendo que meus colegas antepassados não tinham muita moral (escultores e pintores não mereciam nem ter musas!). Seu blog vai entrar na lista dos que eu visito regularmente.
bjs,
Vinicius
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